Lembro-me bem, fazia verão e o calor no Foro era abrasador já às 10h daquela manhã do mês de dezembro de 1971. Feito o chamamento das partes para o ato de purga da mora de uma ação de Despejo por falta de pagamento de locativos e encargos atenderam-no o advogado da parte autora e a própria locatária, Sra. Esperança, que compareceu acompanhada de sua prole - cinco filhos com idades variadas de 01 a 07 anos de vida.
Na qualidade de empregado da serventia cabia-me a função de realizar o ato de pagamento mediante a datilografação do respectivo termo que era feito no próprio balcão do cartório considerando a singeleza da solenidade.
Vale lembrar que naquela época a purga da mora em ação de Despejo era requerida pela própria parte ré - na maioria das vezes o pedido era formulado de forma manual - e no mesmo instante o cartório já aprazava a data para o pagamento, que via de regra, obedecia o prazo legal de 15 dias, ficando desde já intimado o inquilino do dia e hora da audiência de pagamento.
Pois bem, no feito mencionado acima o advogado do autor era o Dr. Arlindo João Dreher, com inscrição na OAB/RS de nº 764, profissional reconhecido nos meios forenses por seu caráter íntegro e peculiar lealdade processual.
Abertos os trabalhos a Sra. Esperança dirigindo-se ao Dr. Dreher disse-lhe: fiquei viúva há dez dias; meu marido era barnabé do município e a pensão que tocou-me é de valor insuficiente para pagar o débito existente e dar de comer aos meus cinco filhos e chorando finalizou: só tenho 200,00 cruzeiros - moeda vigente na época.
Convém esclarecer que o cálculo judicial apurou o débito total em 265,00 cruzeiros, duzentos relativos aos alugueis em atraso; quarenta cruzeiros de honorários advocatícios e vinte e cinco cruzeiros eram pertinentes as custas processuais.
O Dr. Arlindo vendo a situação de penúria da inquilina Esperança e considerando a circunstância de que ficara com cinco bocas para alimentar, disse-lhe: está bem aceito o pagamento proposto e declino do recebimento de meus honorários profissionais e das custas judiciais pagas por meu cliente e dirigindo-se a mim asseverou: meu rapaz faça o termo consignando que a inquilina efetua o pagamento do débito total apurado pela contadoria do Foro a cujo valor dou-lhe total quitação, requerendo desde logo a baixa e o arquivamento do processo. Indaguei-lhe: o senhor não quer registrar no termo a dispensa do pagamento dos honorários e das custas judiciais? ao que respondeu-me, não meu filho isso é desnecessário já que a verba honorária não me fará mais falta do que a esta senhora e as custas pagas pelo autor eu providenciarei no ressarcimento e acrescentou: quando prestei o juramento de exercer a advocacia com ética e de maneira correta e digna, comprometi-me de sempre perseguir a justiça sem, entretanto, afastar-me do conceito de justeza.
Assim era o Dr. Arlindo João Dreher, homem probo e um verdadeiro ser humano, advogado da mais alta estirpe e que muito honrou a classe dos advogados por mais de 50 anos, pois esse homem exemplar acabou de falecer no dia 02 do corrente encerrando assim uma carreira de pleno sucesso, restando-me prestar-lhe esta simples , mas, sincera homenagem e rogando que ele descanse em paz.
sábado, 3 de setembro de 2011
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