Muito se diz que o Poder Judiciário - modo generalizado - tem por hábito lidar com os processos e os litigantes como simples números estatísticos. É recorrente a reclamação de que muitas das vezes as partes e seus advogados não recebem tratamentos adequados/respeitosos, seja no balcão cartorário, seja na própria sala de audiências. A meu ver, s.m.j., tal queixa não guarda procedência posto que não condizente com a realidade cotidiana das 164 comarcas deste estado onde o atendimento, via de regra, transcorre de forma atenciosa, gentil e humanizada. Por outro lado, a existência de eventuais inadequações forenses, em havendo, constituem-se em indesejadas exceções e por isso desde já fustigadas. A corroborar tal assertiva trago à colação o texto infra transcrito e hoje publicado no DJE do TJ, e que diz respeito acerca de meritória iniciativa adotada pela Dra. Marcela Pereira da Silva, Juíza de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Alegrete/RS, no âmbito daquela unidade jurisdicional.
"Pessoas cansadas, com fome e dentro de um lugar onde encontrarão seu 'opositor'. Esse não parece o melhor cenário para se buscar a solução de um conflito por si. Resolvi acolher essas pessoas e proporcionar um momento de espera que elas, muitas vezes, sequer têm na sua própria casa, ainda que por alguns minutos". Foi assim, se colocando no lugar do outro e observando as partes que comparecem às audiências do Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca de Alegrete, que a Juíza Marcela Pereira da Silva teve a ideia de humanizar a passagem dessas pessoas pelo Foro da Comarca de Alegrete.
Atuando no JEC desde janeiro deste ano, a magistrada conta que começou a acompanhar os trabalhos da unidade, antigamente conhecida por Juizados de Pequenas Causas. Ela estudou o ambiente e avaliou como Conciliadores e Juízas Leigas conduziam as solenidades.
"Muitas coisas me incomodaram quando me coloquei no lugar de quem era intimado para vir a uma de nossas audiências de tentativa de conciliação. Pessoas espalhadas, sem ter o que fazer enquanto esperavam, falando alto, olhando celular, agitadas, e principalmente cansadas," afirma.
Como as sessões são noturnas, a Juíza buscou um meio de proporcionar calma e conforto para os presentes, geralmente exaustos após um dia de trabalho. A ideia era prepará-los para resolver seus conflitos por si mesmos e voltar para casa em paz. "Disso surgiu a ideia de reformular o ambiente e mudar o atendimento nas audiências, visando a construir uma Cultura de PAZ. Então propus o lançamento da Campanha de Cultura de PAZ: O que você faz pela PAZ!" O projeto foi lançado no último dia 10/3.
Com a parceria do Ministério Público e dos próprios servidores, ela conseguiu TV, livros e plantas para dar vida ao ambiente. "Pedi aos servidores que quisessem contribuir com a campanha que produzissem mensagens edificantes numa folha e eu mesma produzi molduras em EVA coloridas", explica. "Disponibilizei um livro de registro de checkout que fica no corredor de saída, para que as pessoas que conciliam deixem por escrito como se sentem depois de terem conciliado", revela.
"Oferecemos chá, suco e bolachas para as pessoas, com meu patrocínio. Um de nossos servidores, que adora cultivar plantas, ainda teve a ideia de plantar várias mudas de suculentas num copinho e deixar à disposição das pessoas. E na inauguração da sala de espera aproveitei para colocar uma etiqueta com a mensagem: 'Cultive a PAZ!', como simbologia", acrescenta a titular da 1ª Vara Judicial de Alegrete.
"Busquei decorar o ambiente de modo simples e colorido, para que as pessoas se sintam 'pertencendo' ao local, porque afinal a grande maioria dos jurisdicionados é de pessoas simples que apenas precisam de um ambiente acolhedor para ficarem à vontade."
Tanta delicadeza e gentileza, diz, pega as pessoas de surpresa e acaba, de certa forma, "desarmando" conflitos. "O ambiente do Poder Judiciário é tenso. As pessoas entram no Fórum e chegam às audiências com a respiração ofegante. Vem com ânimo de 'guerra'. Um ambiente que proporciona às pessoas alguns momentos positivos certamente reflete no estado de espírito delas."
E o que nós podemos fazer pela paz? "Acredito que o melhor começo é fortalecer a empatia em cada um de nós", responde a magistrada, sem hesitar.
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