terça-feira, 19 de maio de 2020

BENS NAUSEABUNDOS

Em meus tempos de cartório judicial - de saudosa memória - tive a sorte e o privilégio de contar com grandes e sábios magistrados na titularidade da Vara Cível. 

Os feitos aportavam em cartório a todo instante vindos direto da distribuição forense. Recebia processos comuns, em sua grande maioria, mas, também ingressavam ações que clamavam pronta e imediata análise liminar. 

E nas sextas-feiras - até hoje não entendi a razão desse evento - chovia cautelares de sustação de protesto que em face da ameaça de imediato protesto do título apontado impunha-se urgente intervenção jurisdicional.  A singeleza de tais demandas não comportavam maiores questionamentos e geralmente os pleitos liminares eram concedidos de pronto. 

De outra banda havia igualmente o ajuizamento de considerável número de demandas complexas e com requerimentos liminares, as quais em virtude do alto grau de elementos diversos a serem objeto de apreciação exigiam do julgador minucioso e rigoroso exame da peça vestibular.

E assim, foi que deu-se nos primórdios dos anos 90 o ajuizamento de interessante ação de busca e apreensão cujo objeto do pedido eram duas peças de couro curtido e resistente feito de peles de  animais e utilizados pela indústria para a confecção de sapatos e bolsas.

Após acurada  análise do pleito, o magistrado titular do 1º juizado deferiu a liminar e o mandado foi expedido com determinação ao oficial de justiça de que os bens apreendidos deveriam ficar depositados nos recintos do cartório até decisão final da lide.  

Cumprida a ordem judicial os dois rolos de couro na cor marrom claro foram depositados em minhas mãos tendo então encaminhado-os para o único espaço disponível - o exíguo arquivo do cartório - onde ficaram depositados por longos quatro anos exalando um cheiro insuportavelmente nauseante. 

Ao fim, sentença procedente e transitada em julgado, foram finalmente os "bens apreendidos" liberados e entregues ao autor e o arquivo cartorário voltou a ser frequentado com mais assiduidade posto que afastado definitivamente  a pestilência que ali predominava.

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